Estevão Disse: "Déspota, Está Tudo Bem Comigo”, Virou-se e Tornou-se Invisível

Metropolita Paulo de Vyshgorod e Chernobil

Foto: Arquidiácono do Grande-Esquema Estevão, após sua tonsura no Grande Esquema

A morte é um mistério. Ela é o nosso terceiro aniversário. Serei honesto - não se passa um dia em que eu não pense na morte. Contudo, é impossível compreender as profundezas do significado dessa palavra e a experiência do próprio evento. Posso meditar sobre como vou jazer na sepultura, mas o que a alma experimentará simplesmente foge minha compreensão. Qualquer rito fúnebre - para o leigo ou um bebê - é simplesmente insondável em seu significado. Todavia, há um rito fúnebre especial para os monásticos, que é extraordinariamente profundo em essência, significativo para a alma e ao mesmo tempo tão alegre que eu o compararia com o cânone Pascal. Se as pessoas soubessem o quão cheio de graça isso é, provavelmente o mundo inteiro gostaria de receber a tonsura monástica, mesmo se apenas um pouco antes da morte, somente por causa desse rito.

É possível dizer que o funeral de um dos irmãos de nosso mosteiro, o Arquidiácono do Grande-Esquema Estevão, foi como uma confirmação disso. Ele morreu aos 25 anos. Quando estávamos viajando de volta para o monastério após o enterro de meu pai, ele disse de repente: "Bem, quem será o próximo depois de seu pai?" Eu respondi: "Talvez eu?" Eu tenho que acrescentar que o Pai Estevão sempre se alegrou por pessoas que tiveram câncer. Ele dizia: “Que homem de sorte! Ele pode se preparar e doar todas as suas coisas". O mês de maio chegou e eu pude ver que ele mal estava comendo. Eu sempre digo aos irmãos: "Se alguém ficar doente, certifique-se de me dizer." A doença é uma coisa natural, como a morte. Nós não conhecemos os caminhos de Deus. Não tento adentrar no que é impossível sabermos; basta-me que o Senhor me permita viver. Sua boa vontade se estende a todos, se formos Cristãos verdadeiros e permanecermos firmes em nossa santa fé Ortodoxa.

Então o Pai Estevão admitiu: "Déspota, sinto muita dor logo abaixo do estômago". Eu disse: "Por que você não me disse nada?!" Sempre que necessário, posso ligar para meu amigo Alexander Yurievich Usenko, diretor do Instituto de Cirurgia Shalimov. O Pai Estevão foi conduzido para lá no dia seguinte. Eles o operaram um dia após o exame. O médico nos contou o que encontrou: "Temos aqui hidropisia, mas vamos torcer para que não haja mais nada... Faremos uma análise dos tecidos e então poderei dizer". Depois da operação, levamos o Pai Estevão para casa e, alguns dias depois, Usenko me ligou. "Ele já tem metástase nos ossos abaixo da cintura, no nível dos rins". Eu perguntei: "O que podemos fazer?". "Agora, nada", ele respondeu.

Eu tive que visitar o paciente, mas não é fácil trazer esse tipo de notícia. Entrei, sentei-me e disse: "Devo lhe dizer a verdade?" Ele assentiu: "Vá em frente". "Você tem câncer." Ele fez o sinal da cruz e disse: "Glória a Deus!"

Nosso jovem Arquidiácono recebeu essas notícias com muita calma. Ele disse que sua tia e sua avó também tiveram câncer. Quando os irmãos me pediram para tonsurá-lo no Esquema, começamos a pensar em que nome dar a ele. O Pai Policarpo disse: "Estevão - em honra ao Primeiro Mártir e Arquidiácono Estevão". Ele não concordou com a tonsura de imediato, mas aceitou a oferta. Assim, realizamos sua tonsura na mais alta imagem angélica, nas cavernas. Claro que eu chorava - sabia que um jovem de vida santa estava morrendo. Todavia, o que eu poderia fazer? No final da tonsura, eu disse: “Normalmente, este é um momento em que todos lhe dão os parabéns... mas você sabe o motivo da sua tonsura. Já não posso te dizer nada". Ele apenas sorriu: "Déspota, você não precisa dizer nada. Você já disse e fez tudo". Eu o abençoei: “Pai Estevão, enquanto você ainda pode, vá aos serviços e sente-se em meu lugar. Ele veio todos os dias e entoou a litania da paz. Em seguida, ele se sentava na cadeira onde o abade se senta e, no final, os irmãos o ajudavam a ir até sua cela.

Eu lhe digo que ele não teve o menor medo, reclamação ou queixa. Somente quando sua mãe chegou e pegou sua mão - ele então não pesava mais do que 35 quilos - ela simplesmente chorou, e então ele pegou um graveto e jogou nela. Sua mãe se queixou disso comigo, e eu fui até ele e disse: "Estevão, você não está se comportando decentemente". Ele pediu que ela saísse da cela e depois me disse: “Déspota, já me sinto mal o suficiente e aqui ela está chorando para que todos ouçam. É tarde demais para chorar. Sou o filho único dos meus pais e já é difícil o suficiente quando penso em quem cuidará deles...”. Sua mãe era uma bailarina, uma artista premiada da Crimeia, e seu pai era o primeiro tenor, um artista premiado da União Soviética. "Eu sei que eles serão deixados sozinhos. Sinto tanto por ela que não posso lhe contar. Contudo, sei que o Senhor não os abandonará” (Sua mãe já morreu - o Senhor a levou na Páscoa). Então eu arrazoei com ela: “Nina, pare de se atormentar. Não chore na presença dele". "Como?!", ela chorou. “Eu o carreguei quando um bebê em meus braços...” Eu disse: “A Mãe de Deus também carregou seu Filho nos braços quando Ele foi baixado da cruz. Emule-a".

Arquidiácono Estevão durante a procissão da cruz no mosteiro pela festa de São Teodócio das Cavernas de Kiev. 1998.

O dia do onomástico de Estevão estava se aproximando. Quando eu fui até ele de antemão, ele me disse repentinamente: “Déspota, no dia do meu onomástico, eles me carregarão para a igreja com as palavras: “O justo florescerá como uma palmeira...” e todas as pessoas se perguntarão de quem são as relíquias que foram trazidas. Esse será o meu primeiro e último dia do onomástico. Foi assim que tudo aconteceu. No dia 8 de janeiro, ele recebeu a Comunhão e, após o término da Liturgia, começou a nos deixar. Eu li o cânone para a partida da alma. Então me inclinei na direção dele e perguntei: “Pai Estevão, você pode me ouvir? Me dê algum tipo de sinal". Então uma lágrima caiu de seus olhos. Ele segurou por todo o tempo firmemente a cruz de sua tonsura no peito.

No serviço das Vésperas, o relicário que comportava o dedo do Primeiro Mártir e Arquidiácono Estevão foi colocado no centro da Igreja da Exaltação da Cruz. Então, enquanto o coro cantava o prokimenon: “O justo florescerá como uma palmeira, como um cedro no Líbano será multiplicado” (Salmo 91:3), os irmãos conduziram o caixão do Pai Estêvão pelas portas laterais da igreja e o colocaram ao lado do relicário do Arquidiácono Estêvão. Todas as pessoas começaram a se perguntar: "De quem são essas relíquias?" Assim, quando iam até eles, veneravam ambos. Servimos seu rito fúnebre depois da meia-noite. Às duas e meia, começamos o Ofício da meia-noite, as Matinas, Divina Liturgia e, às sete, o rito fúnebre, concluindo tudo quando ainda estava escuro. Eis aqui outro paradoxo: Durante todo o tempo, a noite toda, gaivotas voavam por sobre a igreja até o momento em que ele foi posto no túmulo. Isso foi em janeiro, no mosteiro... Ele morreu na véspera de seu próprio dia onomástico e foi sepultado no dia de seu onomástico - o dia de festa de seu santo patrono.

Certa vez, quando andávamos pelo cemitério do mosteiro, Sua Beatitude Vladimir [(Sabodan), então chefe da Igreja Ortodoxa Ucraniana] me mostrou onde devíamos enterrá-lo quando chegasse a hora e também onde eu devia ser enterrado. Então, depois da morte do Pai Estevão, fui ao cemitério quando os coveiros já haviam cavado a cova, e ela ocupava praticamente metade do meu próprio túmulo. Murmurei um pouco, mas o Pai Basílio me disse: "Déspota, não se preocupe! Vamos canonizar Estevão e colocá-lo nesse lugar". Houve outro momento significativo. O quadragésimo dia desde o repouso do arquidiácono do Grande-Esquema estava se aproximando e Sua Beatitude me chamou. "Diga-me, Déspota, como era Estevão?" Eu mostrei a ele uma fotografia. Ele olhou para ele e disse com espanto: “Escute, hoje eu fui à Catedral da Dormição e vi um relicário no centro. Na tampa do relicário havia um ícone à mostra, e no ícone era... ele. E então ele e uma multidão de monges foram ao altar.

Abade do Mosteiro das Cavernas de Kiev, o Metropolita Paulo e o Arquidiácono do Grande-Esquema Estevão (esquerda).

Em resposta, contei a Sua Beatitude outra história incrível. Quando nosso Arquidiácono do Grande-Esquema ainda estava em sã consciência, estávamos conversando e pedi a ele: “Pai Estevão, venha até mim em um sonho depois que você morrer e me diga como está". Assim, no dia 8 de janeiro, fui à minha cela após o culto, tendo o visitado pouco antes. Alguns minutos antes das 23:00 eu me deitei para descansar. Às dez para a meia-noite, o Pai Basílio bateu na minha porta e disse: “O pai do Pai Estevão chegou". Eu perguntei: "Estevão morreu?", "Como você sabia?", disse, ao que respondi: "Acabei de vê-lo". "Como!", Perguntou o Pai Basílio, surpreso. Eis como tudo aconteceu. Eu estava dormindo, mas era como se eu já tivesse acordado, estava sentado na minha cama e vi o Pai Estevão entrando. Ao lado dele estavam dois jovens muito belos, vestidos com roupas do Grande-Esquema com kukols (chapéus redondos monásticos) e tudo era simplesmente inexprimível. Ele me disse: "Déspota, está tudo bem comigo, tenho saúde". Eu estava surpreso. "Estevão", eu disse, "você mal conseguia se levantar. Eu estava na sua cela e você jazia lá deitado, incapaz de se mover. Ele sorriu de leve e disse: "Tenho saúde, Déspota, nada mais dói". Ele virou-se e tornou-se invisível. Eu tinha acabado de ver isso quando vieram para me dizer que o Pai Estevão havia morrido. É assim que os monges informam o seu abade e irmãos sobre seu fim. Não devemos acreditar em sonhos, mas há casos em que o Senhor informa uma pessoa através de um sonho.

Eu realmente amei o Pai Estevão. Ele era um monge obediente e zeloso. Conversávamos com frequência. Ele tinha uma voz bonita e cantava no Kliros (parte da Igreja reservada ao coro) com o Pai Policárpo. Se você ouvir à gravação do Acátisto da Dormição da Mãe de Deus, poderá ouvir sua voz angelical.

Eu penso que essas são histórias muito edificantes. Elas mostram que nossos próximos falecidos estão sempre conosco. Nós muitas vezes apenas não entendemos isso. Contudo, pela vontade de Deus, a eternidade está oculta a nós pelo véu da temporalidade.

Metropolita Paulo (Lebed) de Vyshgorod e Chernobil

Tradução para o Inglês da Monja Cornélia (Rees) e para o Português por Ambrósio Silva

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