“Você não vê que não tem o direito de ter nenhuma opinião sobre o assunto?”... Na realidade, nem todas as opiniões têm o mesmo valor...
Muitas décadas atrás, eu era um Filhote de Lobo. Isso não é, obviamente, uma confissão de licantropia, mas sim de minha filiação a uma organização para meninos. A organização Filhote de Lobo foi inspirada no O Livro da Selva [N.T.: Donde o personagem Mogli foi posteriormente popularizado], escrito por Rudyard Kipling e fundado por Lord Baden-Powell (1857-1941). Eu ainda tenho o livro vermelho fino dos Filhotes, intitulado, "Do Zero até a Segunda Estrela" (ou seja, desde a iniciação até a obtenção da recompensa da Segunda Estrela). Para receber a Segunda Estrela, um menino precisava se tornar proficiente em Código Morse e Semáforo [N.T.: antigo código por meio de bandeiras de tráfego], bem como “entender o significado de parcimônia e colocá-lo em prática”. Como você pode ver, havia um forte componente moral no treinamento.
O treinamento moral começou quase imediatamente. Os novos recrutas foram ensinados a "conhecer e compreender a promessa do Filhote de Lobo", que era: "Prometo FAZER O MEU MELHOR [letras maiúsculas!], Cumprir meu dever para com Deus e a Rainha, para cumprir a Lei da Matilha dos Filhote de Lobo e fazer o bem para alguém todos os dias”. A mencionada Lei da Matilha do Filhote de Lobo era o Requisito nº1 do Tenderpad, a saber: “O Filhote de Lobo se submete ao Velho Lobo; o Filhote de Lobo não se submete a si mesmo”.

Isto é, o Filhote na matilha acatava, reverenciava e obedecia às ordens do Lobo mais velho. Isso era absolutamente básico, por isso era o Requisito nº 1. Essa reverência pelos mais velhos não era exclusiva de ser um Filhote; na realidade, ela constitui a base para toda civilização saudável. A versão bíblica deste preceito atemporal pode ser encontrada em Levítico 19:32, que diz: “Levantar-te-ás diante da cabeça cinzenta e honrarás a face do homem velho, e temerás o teu Deus: Eu sou o Senhor” . Ou, em outras palavras (mais modernas), “Você deve se levantar na presença de alguém cujo cabelo está branco pela idade, e mostrar honra aos idosos. É assim que você mostra respeito pelo seu Deus”.
Esse princípio estava arraigado na cultura bíblica, de modo que naquela época era quase inconcebível que um jovem discutisse ou contradisse abertamente o mais velho. Em muitos lugares, ninguém ousaria oferecer uma opinião em discussão pública depois que um ancião ofereceu a sua, para não parecer que você o estava corrigindo. Jó detinha tanto respeito: “Quando saía ao portão da cidade, os rapazes me viam e se retiravam, e os idosos se levantavam e permaneciam de pé; os príncipes se abstinham de falar e colocavam a mão na boca; a voz dos nobres era silenciada e sua língua colada ao céu da boca... Depois que eu falava, eles não já falavam mais” (Jó 29:7). As palavras de Jó inspiravam respeito. Depois que ele falava no portão, ninguém ousava corrigir, acrescentar, revisar ou refutar coisa alguma.
Nem é preciso dizer que esse respeito pelos idosos está desaparecendo rapidamente de nossa cultura moderna, junto com muitos outros vestígios de civilização. Para nós hoje, "o Requisito nº 1 do Tenderpad" seria algo como: "Lembre-se sempre de que sua opinião é tão boa quanto a de qualquer outra pessoa, então sinta-se à vontade para defendê-la a qualquer momento, mesmo com estranhos no Facebook". A opinião de uma pessoa é considerada como tendo valor simplesmente porque é a sua opinião - independentemente da sua idade, experiência, educação ou familiaridade com o tópico em discussão. Respeitar os idosos simplesmente porque são velhos é cada vez mais considerado algo irracional e talvez um pouco estranho. O Filhote de hoje não se submete ao Velho Lobo; o Filhote de hoje se submete a si mesmo.
O respeito pelos idosos, mesmo nos dias da minha Matilha, é claro, não significava jamais falar depois dos mais velhos, ou imaginar que toda opinião oferecida pelo avô de alguém estava correta. Afinal, os velhos discordavam uns dos outros, e suas opiniões eram de valores diferentes. Mas significava ouvir respeitosamente suas palavras, reconhecendo que um homem com décadas de experiência tinha mais probabilidade de saber do que estava falando do que alguém que mal saíra das fraldas. E mesmo que ele estivesse falando bobagem, alguém o ouvia com respeito e o tratava com honra.
É claro que alguém pode perguntar: qual é exatamente o problema de nossa rejeição moderna da hierarquia com seu desprezo pela deferência aos mais velhos? Afinal, isso não significa que o vovô será colocado em um bloco de gelo para morrer quando adoecer - embora nossa crescente liberdade de sacrificar os doentes terminais (pelo menos aqui no Canadá) nos empurre nesta direção Ártica. A "Assistência Médica ao Morrer" (como é chamada aqui) inevitavelmente pressiona o idoso que sofre de uma condição terminal para acabar com tudo prematuramente. Ficar no hospital ou em cuidados de longa duração pode acumular grandes despesas, e o vovô sabe tão bem como qualquer outra pessoa da família que poderia economizar muito pulando no bloco de gelo ou tomando a injeção. Ninguém na família precisa lembrá-lo disso; nossa cultura de morte faz isso sem que mais ninguém na família diga uma palavra.
Entretanto, mesmo além de tal ameaça à longevidade completa, existem outros problemas decorrentes de não se submeter ao Velho Lobo e pensar que todas as nossas opiniões têm o mesmo valor que as de qualquer outro. Menciono dois deles: uma desvalorização da erudição e da tradição
A erudição é uma vítima precoce quando todos sentem que sua opinião é tão válida quanto a de qualquer um. Pois escolaridade consiste em ler, descobrir, falar, escrever e transmitir coisas que foram aprendidas ao longo de décadas de estudo e trabalho árduo. Naturalmente, nem tudo que afirma ser erudito é uma verdadeira erudição. Mas estou falando sobre verdadeiros estudiosos, homens e mulheres cujo trabalho e experiência os dão direito a uma audiência especial.
Pessoas da minha safra (especialmente o clero da minha safra) estão familiarizadas com o fenômeno de tentar debater com aqueles muito mais jovens que, dogmática e desafiadoramente, debatem suas opiniões sem o benefício de qualquer erudição ou maestria. Lembro-me de ter pensado durante um desses debates que estive estudando intensamente a questão em discussão por mais tempo do que meu disputante estava vivo, e fui tentado a responder com as palavras que "a Grande Batida", WT Kirkpatrick, disse a um jovem CS Lewis quando este último estava falando de maneira semelhante: “Você não vê que não tem o direito de ter qualquer opinião sobre o assunto?”. Obviamente, é claro, eu não disse nada disso, apenas olhei para o relógio e tentei descobrir quanto tempo deveria perder com isso.
De fato, nem todas as opiniões têm o mesmo valor, por mais sinceramente que possam ser defendidas. Se alguém estudou longamente a questão e pode produzir fatos, citar fontes e está familiarizado com outros que fizeram o mesmo - em suma, se essa pessoa for um erudito - então devemos ficar sentados a seus pés e aprender. Mas leva tempo para adquirir esse conhecimento e, portanto, esse conhecimento é geralmente encontrado apenas em Velhos Lobos. A crença de um Filhote de que sua opinião é necessariamente de valor igual à do Velho Lobo pode privá-lo da sabedoria que o Velho Lobo lutou por muito tempo para adquirir.
A tradição é outra vítima quando se acredita que todas as opiniões têm o mesmo valor. Pois tradição é apenas outro nome para ouvir a sabedoria que os Velhos Lobos acumularam ao longo dos séculos e transmitiram a seus herdeiros. Na igreja, esses Velhos Lobos são chamados de “os Padres da Igreja”, e eles vêm descobrindo, debatendo e refinando suas opiniões em uma longa discussão que abrange muitos fusos horários e muitos séculos. Suas cabeças são muito velhas, e é nossa sabedoria levantarmo-nos diante deles.
Às vezes, pensa-se que a erudição e a patrística são mutuamente incompatíveis e que se deve escolher entre elas. Isso é lamentável, pois precisamos de ambas. Se alguém rejeita os Padres em deferência aos estudiosos, pode se tornar um liberal; e se alguém desconsidera os estudiosos em deferência aos Padres, pode perder muitas informações úteis. Se alguém abraçar ambos em equilíbrio adequado, pode se tornar autenticamente Ortodoxo (e, às vezes, é tentado a acrescentar, “um tanto raro”). A necessidade de abraçar os estudiosos e os Padres não deve ser tão difícil de descobrir, pois muitos dos Padres eram eles próprios estudiosos, e um Velho Lobo como São Jerônimo se sentiria muito à vontade nas faculdades Ortodoxas hoje - e provavelmente impaciente com Filhotes que desdenharam seu aprendizado enquanto imaginavam que sabiam tanto quanto ele. São Jerônimo não tolerava Filhotes tolos de bom grado.
A necessidade de se levantar diante da cabeça velha e de se submeter ao Velho Lobo - ou seja, dar ouvidos ao que tanto a erudição quanto a tradição podem nos ensinar - é cada vez mais urgente nos dias de hoje. A alternativa para aprender com essas fontes gêmeas é ser enganado pelo falso aprendizado - ou, para dar seu nome usual, pela propaganda. Estamos inundados com essa propaganda, com revistas, noticiários, mídias sociais e blogs repletos de afirmações ousadas, notícias falsas, opiniões dogmáticas e tentativas emocionais de nos incitar e nos alistar na causa de outra pessoa. Ao insistir na erudição e seguir o fronema dos Padres, nossa cabeça e nosso coração podem se combinar para que possamos conhecer a propaganda quando a encontrarmos. Podemos então oferecer a resposta adequada e dizer aos nossos aspirantes a professores: "Você não vê que não tem o direito de ter qualquer opinião sobre o assunto?".
Há um custo social por recusar a sabedoria que vem da erudição e da tradição. Os Filhotes de Lobo estavam certos, afinal. Não devemos apenas fazer o nosso melhor. Devemos lembrar também o primeiro requisito dos Tenderpads e de todos que querem ficar seguros nestes tempos turbulentos: “O Filhote se submete ao Velho Lobo; o Filhote não se submete a si mesmo”.
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